Violência contra a mulher: rede de proteção do DF acolhe mais de 4,8 mil vítimas em 2025

Neste ano, até outubro, mais de 4,8 mil pessoas buscaram apoio nos centros de especialidades para atenção às pessoas em situação de violência (Cepavs). Para fortalecer essa rede de proteção, o Governo do Distrito Federal (GDF) ampliou as unidades e aprimorou os protocolos de atendimento, que asseguram acolhimento biopsicossocial e o encaminhamento das vítimas para serviços especializados. Hoje, o DF conta com 18 centros distribuídos em várias regiões administrativas.

“Ser mulher é viver sempre com medo”, desabafa uma vítima de violência atendida na rede pública do Distrito Federal.

A chegada ao serviço foi um passo difícil, mas necessário, segundo uma usuária atendida pelo Cepav de Santa Maria. Ela conta que já fazia terapia com um psicólogo e, em uma das sessões, criou coragem para relatar o que estava acontecendo dentro de casa. Depois de ouvi-la, o profissional sugeriu que ela buscasse um atendimento específico para mulheres em situação de violência, explicando que havia acompanhamento individual e em grupo.

“Foi aí que comecei a procurar na internet”, lembra. Ela revela que conseguiu o telefone, agendou o primeiro horário e foi. “Conversei com uma assistente social e ela começou a me acompanhar. Fiz duas ou três sessões individuais e depois entrei para o grupo de mulheres.” Ela conta que, no primeiro dia, estava muito nervosa. “Falar sobre o que aconteceu não é fácil. Eu não sabia o que esperar.”

A entrevistada mora com a mãe, o padrasto e dois irmãos e revela ter sofrido tentativa de abuso por parte do padrasto. Apesar disso, ainda não conseguiu sair de casa, o que torna tudo mais difícil. “Foi por isso que meu psicólogo pediu para eu procurar esse atendimento. Para eu ter novas respostas, para entender melhor o que estava acontecendo comigo.”

Com o tempo, ela diz ter encontrado acolhimento e força na equipe e nas outras mulheres. “A gente se fortalece, cria amizade, aprende coisas que não sabia, até sobre direitos que eu nunca tinha ouvido falar. Abre a mente.” O serviço, diz ela, a ajudou também a lidar com as emoções. “A raiva, o medo, o que fazer depois… eu aprendi bastante. Isso foi muito importante.”

Em maio deste ano, outra vítima conheceu o serviço do Cepav, após uma indicação de uma colega do trabalho. Ela havia sofrido abuso na adolescência, algo que ficou reprimido por muitos anos. Fez terapia, mas ainda assim aquilo a atravessava de diversas formas. “Passei por três sessões individuais com psicólogos e assistentes sociais. Foram encontros muito intensos. Porque você precisa contar tudo de novo. Revive tudo. Mas, dessa vez, há alguém especializado ouvindo, te guiando: ‘Ok, isso aconteceu, mas agora vamos entender como seguir’”, conta.

“Eu acreditava que minha vida estava estruturada. Casamento estável. Eu tinha vindo tratar do abuso da adolescência. Mas, nas rodas de conversa, quando entramos nas discussões sobre a Lei Maria da Penha e os tipos de violência, várias red flags começaram a aparecer. Meu casamento não estava saudável. Eu negava: ‘Não, não mexam nisso. Meu problema é o passado.’ Mas, cada vez que os profissionais pontuavam comportamentos, eu voltava para casa cheia de abas abertas na cabeça: ‘Isso está estranho, isso não é normal’”.

A vítima estava com essa pessoa durante sete anos, e casada há quase quatro. “Desde o início havia discussões que terminavam com ele pegando uma faca, dizendo que eu iria ‘ver quem é homem’, batendo portas, me ferindo psicologicamente. Eu minimizava tudo: ‘Ele está cansado do plantão’, ‘ele falou de um jeito ruim, mas tudo bem’”.

Com o Cepav, ela teve acesso à informação. “E aí vem a tríade que aprendi aqui: primeiro a gente conhece, depois a gente se conscientiza, depois a gente rompe o ciclo”, afirma. “Eu conhecia a Maria da Penha superficialmente. Aqui, descobri o que era violência patrimonial, e percebi que estava presa nela há muito tempo. Eu não tinha acesso ao meu próprio cartão de crédito; todos ficavam com ele. Ele “cuidava do dinheiro da casa”. Até que um dia, enquanto eu dormia, ele transferiu todo o meu salário para a conta dele. Quando questionei, ele disse: ‘Você só vê o pior das pessoas. Estou cuidando de você’”. 

“Esse espaço foi fundamental. Eu vim por uma dor do passado… e descobri outra dor, que eu vivia no presente. E penso: se eu não tivesse conhecido o serviço, até quando eu continuaria ali? Talvez nem estivesse viva. Hoje eu entendo: amor não dói, não ameaça, não controla, não humilha. Amor não rouba sua autonomia. E nós, como mulheres, precisamos quebrar o ciclo, mesmo sendo difícil, dolorido, exigindo coragem diária.

Como funciona

O serviço do Cepav funciona como uma porta segura para quem chega após sofrer algum tipo de agressão, seja por demanda espontânea, por notificação feita dentro do próprio hospital ou por encaminhamentos da rede externa.

“Os pacientes chegam aqui basicamente de duas formas: ou são encaminhados por notificação do pronto-socorro e das enfermarias, ou vêm por demanda espontânea, quando alguém indica o serviço ou quando eles já conhecem o atendimento”, explica o chefe do Cepav de Santa Maria, Ronaldo Lima Coutinho. O funcionamento ocorre todos os dias úteis, das 7h às 18h. “Qualquer pessoa que passou por violência e precisa desse acolhimento pode vir nesse horário. Estamos aqui para receber.”

O chefe faz questão de diferenciar o serviço do restante do hospital. “É muito diferente de uma consulta de rotina ou de um atendimento por acidente. Aqui, a pessoa chega porque viveu uma violência. E nós atendemos variados tipos: violência doméstica, sexual, familiar, intrafamiliar e também casos de negligência. O nosso público são crianças, adolescentes, mulheres e idosas. Homens não são atendidos neste núcleo específico.”

Ele explica que o Cepav integra a chamada Rede de Flores, que reúne 18 unidades distribuídas pelo DF: a unidade de Santa Maria recebe o nome de Flor do Cerrado. “Cada núcleo tem autonomia, mas todos seguem o mesmo propósito: proteger e acolher pessoas em situação de violência.”

Ao comentar os dados deste ano, o chefe avalia que os números podem tanto indicar aumento real quanto maior coragem para denunciar. “Existe, sim, uma subida nos registros, mas ainda temos muita subnotificação. A violência é algo que a pessoa demora a reconhecer, seja por medo, vergonha ou por pressão familiar. Muitas mulheres não denunciam porque moram com o agressor, porque têm filhos, porque dependem financeiramente dele ou porque são ameaçadas. Isso pesa muito.”

Ele reforça que o Cepav não tem caráter investigativo. “Nosso papel não é apontar culpados, e sim cuidar da parte social e psicológica. Trabalhamos a saúde mental desse paciente e o fortalecimento para que ele possa tomar decisões de proteção.” Segundo ele, a maioria das violências registradas acontece dentro de casa. “Pelos dados e pela nossa vivência, cerca de 90% das agressões têm relação intrafamiliar. Infelizmente, hoje é mais arriscado sofrer violência dentro da própria casa do que na rua.”

O IgesDF administra o Cepav Flor do Cerrado, localizado no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). A equipe é composta por uma enfermeira, duas técnicas de enfermagem, duas assistentes sociais, dois psicólogos e dois técnicos administrativos. O presidente do Iges, Cleber Monteiro, destaca que há muitos anos a unidade cumpre um papel que honra a tradição do serviço público: acolher, proteger e orientar quem mais precisa.

Para ele, esse trabalho só é possível porque atuam de forma integrada com toda a rede de proteção, construindo respostas sólidas e responsáveis para cada caso. “Proteger vítimas de violência exige união, responsabilidade e visão de longo prazo. O Cepav Flor do Cerrado mostra como a integração entre saúde, assistência social, segurança, justiça e comunidade produz resultados reais”, afirma. Cleber ressalta que o intuito é fortalecer ainda mais essa rede para que cada pessoa atendida encontre amparo, dignidade e caminhos para recomeçar.

A Rede de Flores atua de forma articulada com toda a rede de proteção e enfrentamento à violência, envolvendo Delegacias Especializadas, como as DEAMs e as Delegacias da Criança e do Adolescente, para encaminhamento e acompanhamento de casos; a Assistência Social, por meio dos Cras, Creas e Caps, que oferecem suporte individual e familiar; a Educação, com ações preventivas nas escolas e mediação de conflitos; e o sistema de Justiça, incluindo Ministério Público e TJDFT, no acompanhamento dos processos e na definição de medidas protetivas.

Segundo a chefe substituta do Núcleo de Prevenção e Assistência à Situação de Violência (Nupav), Guaia Monteiro Siqueira, essa integração entre os serviços avançou de forma importante.

“Nós temos os Nupavs que fazem um trabalho sistemático de vigilância das notificações, capacitação para os diversos serviços dos diferentes níveis de atenção em saúde e também rede externa, como das equipes de saúde no pronto-socorro e nas unidades básicas de saúde (UBSs), e também fortalecem essa articulação com a rede. Nós fazemos reuniões frequentes para discutir casos, e a articulação com o Conselho Tutelar acontece imediatamente quando necessária. Também participamos da Rede Brasília, que reúne serviços públicos e instituições do terceiro setor”, destaca a assistente social do Cepav Alecrim, Jasmin e Margarida.

Também integram o trabalho o Conselho Tutelar, Rede Elas, Rede Flor do Cerrado, Comitê de Proteção à Mulher, Secretaria da Mulher, Mão Solidária, Protejo Cáritas, ONGs e outros movimentos sociais, que fortalecem campanhas, projetos comunitários e atendimentos complementares. Essa articulação intersetorial sustenta a missão do Cepav de prevenir, orientar e apoiar vítimas de violência, garantindo uma resposta efetiva e integrada das políticas públicas.

Neulabihan Mesquita atua no Cepav Jasmim, que atende crianças vítimas de violência sexual e ofensores de abuso sexual, e diz que a metodologia adotada nos centros é baseada principalmente em atendimentos em grupo. “Nosso objetivo é transformar essa demanda das instituições encaminhantes em algo que faça sentido para a família. Os grupos ajudam porque as famílias se reconhecem entre si, se ajudam. Os profissionais funcionam como co-terapeutas. Temos planejamento, mas nos adaptamos conforme o grupo. Cada atendimento é único”, garante a psicóloga.

Com informações Agência Brasília

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