No coração da Ceilândia, tradições nordestinas sustentam famílias e mantêm viva a cultura popular

A Feira Central de Ceilândia pulsa como poucos lugares no Distrito Federal. Entre corredores estreitos e bancas coloridas, a vida acontece em ritmo próprio. O cheiro forte do tempero baiano, o chamado dos vendedores, o calor das panelas, as lembranças de um Nordeste que, mesmo distante, permanece vivo na memória e no trabalho de milhares de feirantes.

no coração da ceilândia, tradições nordestinas sustentam famílias e mantêm viva a cultura popular créditos daniel xavier jornal de brasília (3) (1)
no coração da ceilândia, tradições nordestinas sustentam famílias e mantêm viva a cultura popular créditos daniel xavier jornal de brasília (3) (1)

Ali, entre clientes fiéis e visitantes curiosos, o Kome In Pé é mais que um restaurante. Ele é um pedaço da história de uma família candanga e nordestina que encontrou na gastronomia uma forma de fincar raízes. À frente do estabelecimento está o proprietário Francinaldo, conhecido por todos simplesmente como Naldo, 51 anos, brasiliense “pé rachado”, como ele brinca.

Filho de cearense e piauiense, Naldo cresceu entre panelas e histórias de migração. “Nasci comendo essas comidas, com essa raiz toda. O que acho mais bonito é que o pessoal não procura valor. Eles querem sentir o gosto da infância, lembrar da terra natal”, conta, enquanto alguns clientes sentem o prazer de saborear o baião de dois, sarapatel, carneiro ao leite de coco, cuscuz e pirão — pratos que se tornaram símbolo do cardápio do  Kome In Pé.

no coração da ceilândia, tradições nordestinas sustentam famílias e mantêm viva a cultura popular créditos daniel xavier jornal de brasília (2)
no coração da ceilândia, tradições nordestinas sustentam famílias e mantêm viva a cultura popular créditos daniel xavier jornal de brasília (2)

Para ele, a feira é mais do que um ponto comercial, é um reencontro diário entre quem veio do Nordeste e quem carrega a saudade da terra. “Ceilândia é muito nordestina. Aqui, 80% do pessoal deve ter origem lá. Eles chegam e pedem os pratos que não podem faltar. É a memória de casa”, declara Naldo.

Tradição que atravessa gerações

O Kome In Pé  nasceu ainda na década de 1980, quando os pais de Naldo — pioneiros na capital — decidiram transformar o talento da mãe na cozinha em sustento. A história começou de maneira curiosa, uma marmita preparada por ela conquistou o chefe do pai, que logo a convidou para cozinhar na cantina de uma obra da construção de Brasília. Foram 15 anos ali, até que surgiu a chance de abrir uma banca na feira.

No início, a família vendia tabaco, produto agrícola processado a partir das folhas de plantas do gênero Nicotiana. Depois, veio a troca por uma banca de alimentação e com ela, a chegada dos pratos típicos que catapultaram o restaurante. “Minha mãe trouxe o baião, a buchada, o cabrito no leite de coco… pratos que quase não se via por aqui. Hoje estão em várias feiras do DF”, comenta Naldo sobre os pratos que se tornaram fenômeno no DF.

O negócio também cresceu no boca a boca e, mais recentemente, nas redes sociais e na visibilidade conquistada em reportagens de TV. Mas a rotina continua dura. “Feirante não tem férias. Acorda cedo, trabalha de quarta a domingo, segunda e terça já corre atrás das coisas pra feira. É puxado, mas é paixão”, diz Naldo. 

Temperos e memórias

Em outro corredor ao lado do Kome In Pé,  a banca Kumbuca de Temperos mantém outro tipo de tradição. À frente do negócio está Adriana Pereira Gomes, 54 anos, ceilandense nascida e criada, filha de baianos que chegaram ao DF na década de 1970.

Sua mãe foi uma das pioneiras da feira, e Adriana cresceu seguindo seus passos, até assumir sua própria banca, hoje sua única fonte de renda. No meio de tantos potes e vidrinhos organizados nas prateleiras, ela apresenta com orgulho os produtos que vende.

kumbuca de temperos proprietária adriana pereira gomes, 54 anos créditos daniel xavier jornal de brasília
kumbuca de temperos proprietária adriana pereira gomes, 54 anos créditos daniel xavier jornal de brasília

“Tem de tudo: tempero gaúcho, chimichurri, misturas para arroz, para carne, opções sem pimenta… E ainda os méis, xaropes caseiros, garrafadas. A gente mantém essa coisa do natural, que está voltando com força”, explica. Mas, assim como o cenário econômico nacional, as vendas não vivem seus melhores dias. Adriana estima uma queda de 50% a 60% no movimento neste ano.

Mesmo com o cenário desafiador, ela continua firme. Trabalha sozinha, abre a banca religiosamente de quarta a domingo. “O que me anima é ver que as pessoas ainda procuram os temperos certos, aqueles que aprenderam com a família. Tem cliente que vem de longe só pra comprar aqui”, declara Adriana.

kumbuca de temperos proprietária adriana pereira gomes, 54 anos créditos daniel xavier jornal de brasília (3)
kumbuca de temperos proprietária adriana pereira gomes, 54 anos créditos daniel xavier jornal de brasília (3)

Fonte Original

Matéria Anterior

Último dia do Feirão do Trabalhador oferece quase 2 mil vagas de emprego

Próxima Matéria

CDC aprova projeto garante assinatura física para idosos em contratos digitais

Escreva seu comentário

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine nossa newsletter

Receba no seu e-mail as notícias mais relevantes do dia, rápido, fácil e gratuito.
Inscreva - Se

Não enviamos spam ✨Ao se inscrever em nossa newsletter você concorda com nossa política de privacidade.
Total
0
Share